Charlie e a Fábrica de Chocolates
O que sentiríamos se o improvável se tornasse realidade? Se os nossos sonhos se materializassem em chocolate? Se as crianças mais arrogantes e mal educadas fossem vitimas da sua própria ganância? Em que acreditariam os adultos ao entrar num universo de guloseimas colorido pela Disney? Espanto! Simplesmente siderados perante o irreal! Talvez tenham sido estas as sensações que as personagens de Roald Dahl tiveram ao entrar no cenário vivo, colorido e deslumbrante –para não dizer saboroso- do mago do cinema fantástico: Tim Burton. Uma vez mais Burton supera-se a si mesmo e surpreende todos os que têm acompanhado a sua carreira (ou não). Eu não consigo deixar de sentir admiração profunda pela obra de um cineasta que, caminhando seguro nas franjas de Hollywood, consegue, filme após filme, apresentar-nos um mundo muito próprio, um universo com marca de autor, sempre enriquecido com pequenos pormenores... talvez sejam os pormenores que distinguem a obra de Burton de outras produções: o cuidado no tratamento da narrativa é evidente, os cenários são rigorosamente talhados para serem maravilhosos, a qualidade da fotografia é inquestionável, no fundo, o esforço da produção para tornar todo o imaginário prodigioso de Burton numa realidade credível é gigantesco. Cada filme é uma visita guiada pelo imaginário infantil de alguém que trouxe ao mundo películas como Eduardo Mãos de Tesoura, O Estranho Mundo de Jack, Marte Ataca! ou, o relativamente recente, O Grande Peixe, todos eles contos fantásticos, ora homenageando o terror clássico a preto e branco, ora parodiando com o sobrenatural, ora tornando a realidade num cont
o digno do Feiticeiro de OZ, como é o caso deste Charlie e a Fábrica de Chocolate, um conto infantil que pretende transmitir uma ideia de esperança quando tudo parece irremediávelmente perdido e de reconciliação com
um passado que, com muito esforço alguém tentou reprimir. A história é simples, fantástica e aparentemente inocente... Se não fosse a moral pragmática do conto a forçar-nos a ver o nosso mundo real (e a natureza humana), a ingenuidade faria nos acreditar que o isolamento do resto do mundo tornar-nos-ia numa pessoa normal num universo onde a magia supera a realidade e a maldade simplesmente não existe; aqui a analogia a Michael Jackson e ao seu Neverland é evidente, não sendo de forma alguma uma comparação inocente ou ocasional, alias é habitual Burton caricaturizar a sociedade, as pessoas e os seu hábitos, expondo frequentemente –recorrendo ao humor negro- o lado mais ridículo de tudo o que consideramos normal. É raro em Hollywood um realizador concretizar uma ideia “colorida”, mas Burton fá-lo cada vez que se coloca atrás das câmaras e grita: acção!